Estou zangada…
Os adultos são muito complicados, estão sempre a ralhar e a proibir isto e aquilo.
Tudo faz mal, tudo pode magoar, não faças isto, não faças aquilo, não saltes, não grites.
Estou zangada. Mesmo zangada.
Já sei o que vou fazer. Vou-me vestir de verde, para assim poder ser confundida com as árvores, vou descalça para poder me sentir leve como uma folha… e para ser mais silenciosa. Depois de muito tempo a ganhar coragem decidi espreitar para o outro lado da cerca, mas ninguém pode saber, pois a minha mãe já me tinha avisado de que eu não o poderia fazer, é perigoso, posso magoar-me… blá…blá… blá…
Mas eu vou e não vou sozinha, levo o meu ursinho, companheiro de aventuras para que não me sinta só, podia levar o meu irmão, mas ele é mais pequeno e depois só me ia atrapalhar.
Pintei as unhas para o caso de ser apanhada poder parecer uma senhora, as senhoras grandes já pintam as unhas.
Devia ter trazido a mala da mamã, assim ainda iria parecer mais crescida, mas ela é muito atenta e iria dar por falta dela.
Espero que não de por falta da cadeira, pois esta cerca é muito alta. Gostava de saber porque os adultos fazem cercas tão altas? Que esconderam do outro lado? Vou ter de descobrir! Pé ante pé e com muito cuidado subi para a cadeira e trepei a cerca, espreitei e vi um belo jardim, com lindas flores, árvores gigantes, borboletas voando livres e tão coloridas. È mesmo alta está cerca, vou ter de ter muito cuidado a descer. E se caiu e me sujo a mamã vai ralhar tanto… mas eu tenho de ir ver. Au… uffa ainda bem que te trouxe e obrigado por me aparares a queda. Que sítio lindo, a mamã ia adorar vir passear aqui, vou dar um passeio.
-Pstttttttttt… menina.
Apanhada tão cedo. Quem será que me chama, não conheço a voz e confesso que estou a ficar com medo. O melhor é fingir que não ouvi.
-Psttttttt… tu ai, que fazes aqui deste lado. Ui… é comigo mesmo, agora é que a mamã vai saber que eu desobedeci e vou levar um bom puxão de orelhas, diga-mos que merecido.
- Está a falar comigo?
- Ora minha menina esta aqui mais alguém?
- Bem que eu saiba não.
- Então com que haveria eu de estás a falar?
- Não sei.
- Que faz uma menina tão pequenina aqui sozinha?
- Não sou pequenina, olha para as minhas mãos, eu já pinto as unhas, já sou uma crescida.
- Ora claro, uma mulher. Mas o que faz esta pequena mulher aqui sozinha.
Hum… acho que esta senhora está a querer saber de mais, já parece a minha mãe e daqui a nada vai começar a dar-me o sermão, escolhi um mau dia para saltar a cerca.
- Vim passear.
- E porque sozinha?
- Porque eu já sou crescida e eu estou zangada com os adultos.
- Zangada com os Adultos, porque?
- Porque sim, porque são muito complicados, porque estão sempre a ralhar, estão sempre a proibir, estão sempre a falar alto e a discutir, e porque nunca tem tempo para nada, nunca posso fazer o que quero, estão sempre a mandar-me parar de correr, para falar mais baixo, não posso comer as bolachas que e
- Hum… estou a ver. E tu resolveste fugir, foi?
- Não. E porque é que tu estas aqui sozinha também? Vieste espreitar o que estava deste lado da cerca foi?
- Não, eu vivo aqui.
- Sozinha?
-Sim sozinha.
- Porque?
-Porque os adultos se esqueceram de mim.
-Como assim se esqueceram de ti?
-Estão muito ocupados e eu não passo de uma velha senhora, com a qual ninguém quer desperdiçar tempo.
-Pensava que era só com as crianças.
-Estas enganada pequena, os adultos também se esquecem dos velhos, não estão para ouvir as nossas histórias, estão demasiado ocupados com a vida deles. E eu não acredito que a tua mãe se esqueça de ti.
-Pois não ela não se esquece de mim, esta é sempre a ralhar comigo, com tudo.
-Isso é porque ela se preocupa contigo, porque ela gosta de ti.
-E de ti ninguém gosta?
-Acho que sim, deve haver alguém que gosta de mim sim, onde eu ainda não sei.
-Eu gosto, e o meu ursinho também és muito simpática.
-Ora muito obrigado.
-De nada, queres brincar comigo e com o meu urso?
-Bem para brincar eu já não tenho forças, não conseguiria te acompanhar nas tuas brincadeiras.Mas posso te contar uma história. Queres?
-Sim quero e o ursinho também.
-Então senta-te aqui no muro ao meu lado.
Era uma vez uma menina um pouco mais velha que tu, que já andava na escola e que gostava de estudar, de ler e de pintar, essa menina gostava do silencio e além disso trazia sempre trabalhos de casa para fazer, estava sempre muito ocupada com as suas coisas. Essa menina tinha um irmão, mais pequeno que ela, que era um rapaz cheio de energia, que corria pela casa, saltava e pulava e estava sempre a desarrumar o quarto, tanto o dele como o dela, afinal era criança e gostava de brincar alegremente, mas ao qual ela não ligava muito, pois para alem de ser rapaz era mais novo e não sabia brincar tão bem quanto ela, alem do mais estava sempre a desarrumar-lhe os brinquedos, e a partir alguns mais frágeis, não parava quieto um só segundo. Então a menina estava sempre a ralhar com ele, e a dizer-lhe para não mexer nas coisas dela, estava sempre a ralhar com ele, para ele não fazer tanto barulho, estava sempre a dizer-lhe para ele não comer muitos doces, pois não o queria ouvir a chorar com dores de barriga... Enfim o irmão achava que ela não gostava dele, mas ela somente se preocupava com ele, e como tal quando ralhava com ele não era por não gostar dele, mas porque o queria ver bem, pois ela gostava muito do irmão mais novo. Mas o irmão estava zangado e farto de ouvir reclamar e de a ouvir proibir de fazer o que quer que fosse, e ele só queria era brincar, então o irmão decidiu um dia fugir. Aproveitou um dia que ela estava distraída a arrumar-lhe o quarto e pegou na mochila com alguns brinquedos e algumas bolachas e fugiu. Quando ela se apercebeu que havia muito silencio lá em casa, foi procura-lo e não o encontrou em lado nenhum, ficou muito preocupada com ele e começou a chorar, pois não sabia o que fazer, e nem onde ele poderia estar, e alem do mais ele era muito pequeno, para onde teria ido sozinho. Mas ele sentia-se um herói, estava sozinho e não havia ninguém que ralha-se com ele, podia fazer o que queria, correr, pular, gritar e comer as bolachas de chocolate todas de uma só vez. E foi andando, andando, andando... até que já não sabia onde estava e nem como voltar para trás... E as bolachas já tinham acabado, o pequeno começou a sentir-se muito sozinho, tinha ido parar a um pequeno bosque e não via ninguém, só árvores, e pequenos animais... Já não se lembrava do caminho para casa e estava a começar a ter medo, pois estava a anoitecer e ele tinha medo do escuro. Não sabia o que fazer, nem como voltar para casa, começou a desejar ouvir a irmã a ralhar com ele e a pô-lo de castigo, como ele ia adorar poder ouvi-la agora neste instante.
-Eu também tenho medo, não gosto do escuro e mamã deixa-me sempre uma luzinha acesa.
-Pois é pequena os pais apesar de estarem sempre a ralhar e a proibir eles gostam muito dos filhos, e se o fazem é porque querem o melhor para eles, dai não ser bem ralhar mas sim chamar a atenção, pois não querem que nada de mal lhes aconteça.
-senhora...
-Sim, que queres, não estas a gostar da historia?
-Estou sim, estou a adorar, mas é que eu lembrei-me agora que tenho de ir para casa, a minha mãe deve estar preocupada e eu já estou com saudades dela, e o meu maninho também deve andar a minha procura, tenho de ir ter com ele para lhe dizer que estou bem.
-Esta certo, já esta a ficar tarde mesmo
-Ajudas-me a subir a cerca?
-Sim, claro que sim.
-Obrigado. Sabes gostei muito da história, e gostei muito de a conhecer, quem sabe um dia não peço a mamã para voltar e para ouvir o resto da história com o meu mano.
-Esta bem, eu espero que voltes, mas que desta vez avises a tua mãe para ela não ficar preocupada.
Fica bem pequena mulher.
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