segunda-feira, 13 de abril de 2009

O desconhecido assusta.

Ela tentou novamente chegar até aquela linha que separava o seu mundo de uma luz tão intensa como nunca antes tinha visto. Quase todos os dias caminhava na sua direcção, e fazia-o não só pela curiosidade mas também, e principalmente, porque à medida que se aproximava cada vez mais daquela claridade, um sentimento de calma e de bem estar crescia dentro de si, a vontade de sorrir era inexplicável e os seus olhos adquiriam um brilho nunca antes visto nela ou em qualquer pessoa do seu mundo. Porém não conseguia explicar o porquê de se sentir desta forma, apenas sabia que ali era o único local que a fazia sentir assim. Mais uma vez não conseguiu pisar a dita linha, não conseguiu lá chegar, tendo sido empurrada para trás por uma força grandiosa. Parecia que algo guardava toda aquela luz, algo não deixava que ninguém trespassasse a fronteira. Voltou então para o início do caminho e novamente a escuridão desabou sobre a sua cabeça. O sorriso desvaneceu dando lugar a um semblante carregado, a calma e bem-estar deram novamente lugar à solidão, ao grande aperto que sentia todos os dias dentro de si, e os seus olhos escureceram tal como céu, reflectindo tristeza. Olhou novamente para aquele caminho que tentava percorrer todos os dias. Olhou bem lá para o fundo e já não se avistava qualquer réstia de luz. Desde pequena que tentava alcançar aquela luz, mesmo quando todos lhe diziam que aquele era um caminho proibido, que nunca ninguém tinha conseguido percorrer até ao fim. Mesmo assim ela fazia-o todos os dias pois isso concedia-lhe por breves instantes uma felicidade que não conseguia explicar. Os seus receios, inseguranças, desconfianças, tristezas, desapareciam como por milagre, e como era bom... Nesse dia não voltou para casa como sempre fazia. Não, nesse dia não desistiu e tentou mais uma vez. Queria sentir-se novamente daquela forma que sabia tão bem, e só depois voltaria para casa. Começou a caminhar, passo a passo, e a luz começou novamente a ser visível, cada vez mais, e quando voltou a sentir a tal tranquilidade, a força que sempre a empurrava para trás começou a surgir. Nesse preciso momento ouviu uma voz, vinha na direcção da luz, mas não conseguia ver quem era, os seus olhos não conseguiam habituar-se a tanta claridade e tendiam a fechar.
- Ei! Tu aí!!! Segura a minha mão... Disse a voz num tom doce.
- O quê? Quem és tu? Não te consigo ver! Disse ela tentando lutar contra a força que a empurrava para trás, semicerrando os olhos que já ardiam.
- Tenta abrir mais os olhos, só tens que habituar-te à claridade, consegues se o fizeres aos poucos. Agora dá-me a mão antes que seja tarde de mais!
Ela começou a ver uma sombra com a forma de uma figura humana. Aos poucos foi-se tornando mais nítido e viu um rapaz, debruçado sobre a linha que para ela era intocável, envergando um sorriso sincero, os olhos brilhavam quase tanto como a luz que surgia por de trás dele, e a sua mão direita estava estendida na direcção da rapariga.
- Ei!! Vá lá!! Dá-me a tua mão!! Disse esticando-se mais um pouco para a alcançar.
- Mas quem és tu? Eu não te conheço...como hei-de confiar em ti?
-Esse é o vosso problema...não confiam em ninguém, essa vossa insegurança...sempre com os dois pés atrás por precaução. É por isso que não conseguem cá chegar.
- O nosso problema? Problema de quem? Chegar onde?
- O problema de quem vive aí nesse mundo. Nessa escuridão total onde nunca se vê a luz do sol, onde estão sempre tristes, onde por mais família que tenham, andam sempre isolados, esse é o teu mundo. Mas dás-me a mão ou não? Disse o rapaz já a ficar impaciente.
- Espera! Hum...Quer dizer que desse lado as coisas não são assim?
- Claro que não! Se tantas vezes tentas aqui chegar por alguma razão é, certo?
- Sim, sinto-me bem aqui... - Então vem comigo! Tens um sorriso lindo, sabias? É um desperdício as pessoas não o poderem ver. Disse o rapaz piscando-lhe o olho.
- Mas eu não consigo! Quando chego até aqui há sempre esta força que me empurra para trás, nunca consigo ir mais além!
- A essa força chama-se Medo. É isso que te empurra para trás. Por mais que te sintas bem a percorrer este caminho, por mais que queiras alcançar esta linha, passar para o lado de cá onde sabes que te sentes tão bem, tens medo...tens medo de tentar, tens medo de mudar, tens medo de lutar...por isso voltas sempre para trás. És tu própria que não te deixas seguir em frente.
Ela ficou a pensar nas palavras daquele rapaz. Teria ele razão? Faziam aquelas palavras algum sentido? Começava a ficar exausta, não aguentava mais aquela força, em poucos segundos iria ceder e voltar novamente para trás. O medo...tinha medo de tentar, tinha medo de mudar...ele tinha razão!! A força venceu e ela escorregou, caindo no chão. Ao mesmo tempo esticou o braço e tentou desesperadamente agarrar a mão do rapaz que continuava à sua espera. Ele agarrou-a fortemente, puxando-a para cima. Ajudou-a a passar sobre a linha que separava os dois mundos, o mundo da solidão e o mundo da felicidade. Repentinamente uma onda de luz invadiu-a e fê-la sentir-se como nunca antes se tinha sentido. Desejou que aquele momento não mais acabasse. Queria sentir-se assim para todo o sempre. - Já te disse que tens um sorriso lindo? – Disse o rapaz sentando-se ao seu lado, enquanto contemplavam o campo colorido de diversas flores que se avistava à sua frente.
- Já... bem...nunca ninguém me tinha dito isso antes. Disse começando a corar.
- Talvez porque nunca ninguém teve o prazer de ver esse teu sorriso tão espontâneo.
- Obrigada...e quem és tu?
- Eu? Ora bem...ajudei-te a ultrapassar o teu medo de tentar, de mudar, certo?
- Sim...
- Se o fizeste suponho que confias pelo menos um pouco em mim, certo?
- Sim...
- Dei-te a mão e não te deixei cair, certo?
- É verdade... - Então podes chamar-me de Amigo....

1 comentário:

  1. De facto assusta....quantas vezes já tive medo de atravessar a linha??....No entanto penso que em determinada altura das nossas vidas deixamos de o ter....ou pelo menos aprendemos a vence-lo....

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